Pela hora do almoço, recebi a ligação... um ente querido falava da tristeza de outro ente querido. Talvez eu pudesse fazer alguma coisa. De fato, fiz, e acredito ter sido útil (considerando que estava do outro lado do país). No entanto, a voz carregada de choro, compassada em soluços... as semi-histórias confusas do fato real e seus aspectos horríveis... a discordância de pessoas que amo... pra mim foram desgastantes de uma maneira que jamais pensei que poderiam ser.
E a dor do dia 7 de abril não tinha começado ainda.
Pouco depois da hora de almoço habitual, pouco antes de meu almoço, fiquei sabendo de um dos fatos mais tristes dos últimos anos. Um homem entrou em uma escola de ensino fundamental e disparou vários tiros contra muitas crianças pequenas. Esta foi a notícia inicial que recebi do fato, direta desta maneira. Mudaram de canal (moro (na época da postagem) em um lugar com algumas outras pessoas). Neste, um repórter no local estava entrevistando uma menina que escapou com vida. Perguntava coisas como "o que você sentiu?", "o que você viu?", "como foi?".
Em tom descritivo calmo, de alguém que a inocência impedia de cair no choro, a menina narrava cenas tão horríveis que tornariam a história proibida para menores de 18 anos. E as pessoas assistiam à tv com olhos arregalados e tristeza nas palavras... mas os questionamentos ainda eram os mesmos... isso não mudou a rotina de ninguém não afetado pela tragédia à minha volta. Saí da sala, desconfortado, porque percebi que estava começando a chorar.
Fiquei um tempo fechado no quarto, até limpar o rosto e sair. Mais notícias na tv. Tentei ignorá-las e fui para a outra sala, onde meu computador estava ligado. Tentei abrir um jogo... não consegui gastar 15 minutos nele até me sentir enjoado de estar fazendo aquilo. Entrei em uma página de rede social. Lá, me peguei lendo um texto de alguém da classe média reclamando de que o governo estava pagando alguma nova bolsa para uma classe menos favorecida. Por diferenças de ponto de vista (que não cabem agora), aquilo me trouxe um sentimento anterior de natureza triste. Li até o final para descobrir que alguns colegas meus aprovaram o texto, e para descobrir que estava chorando novamente.
Atribuí aos fatos do dia, minha tristeza... neste ponto, me senti extremamente cansado... me senti relativamente sozinho. Tentei novamente abrir a página de jogos... Não demorou até me juntar a alguns colegas virtuais de jogo americanos. Uma delas comentou o fato de suas crianças terem aparentado estar doentes há uma hora e agora estarem perfeitamente sadias. Fez uma piada dizendo:
"é culpa dos japoneses, jogando essa tralha atômica na nossa água". Pelo que parece, foi engraçada, pois seus colegas americanos demonstraram intenção de riso. Já tenso pelos acontecimentos do dia, não pude me conter e respondi: "na américa central, pelo golfo do méxico tá acontecendo a mesma coisa, é culpa dos americanos, jogando essa tralha de óleo na nossa água".
Desisti do intento de retaliar quando um outro respondeu "a gente não joga óleo lá... a gente só limpa nossa sujeira" e todos os outros responderam com uma gargalhada virtual.
Fiquei puto e saí da sala novamente. Tentei começar a ver um filme, mas um colega do lugar onde moro havia serntado perto e tinha acabado de abrir um vídeo relacionado a tragédia na escola, com muitos gritos. Outros colegas juntaram-se atrás dele. Larguei a computador e fui para a outra sala, onde mais colegas amontoavam-se junto à tv, que passava mais notícias sobre o caso. Todos assistiam sem alterações emocionais diretamente perceptíveis. Alguém fez uma piada que não se relacionava ao assunto.
Estava olhando para outro lado, tentando me desvencilhar do fluxo de informação agressiva da tv quando a cena veio à meus ouvidos, meus colegas gargalhando com o som da gritaria na tv, do mesmo vídeo que momentos antes estava sendo visto por meu outro colega em seu laptop, sem perceber a cena bizarra a qual estavam protagonizando. Comecei a chorar neste aposento, de maneira intensa, mas saí rápido o suficiente para que não fosse perceptível. Tentei me fechar no quarto mas o barulho da tv era alto.
Não aguentei e resolvi sair de casa, na pressa levando apenas chapéu, chaves e uma garrafa de vidro com água pela metade. Ainda tive a chance de ver de relance a mesma entrevista do repórter sem noção com a menina que escapou. Ver aquilo novamente me deixou desolado... mas ver várias pessoas vendo aquela notícia sem se sentir mal me destruiu.
Saí de casa ao fim do entardecer e dei uma longa volta pelo quarteirão, chorando efusivamente. Tomei toda a água em poucos goles. Cheguei novamente ao portão de casa em 10 minutos mas não consegui entrar.
Ao invés, sentei-me na calçada de frente para a casa, procurando motivos para querer voltar. Nem fome, sede ou frio me impulsionaram... me sentia enojado pelo ser humano. Me sentia sozinho, e toda vez que a imagem da criança falando aquelas coisas horrorosas me vinha a mente... sobre a dor das crianças... sobre os gritos, a correria... todas vez que me ocorria, eu voltava a chorar. Não queria mais ver pessoa nenhuma. Me sentia revoltado com a falta de sentimento das pessoas que, sem se importar com a dor e medo das crianças, falavam sobre como gostariam de torturar o atirador de tal maneira ou de outra maneira. Me sentia ultrajado como ser humano saber que, mesmo depois de tanta dor, as pessoas só queriam pensar em mais ódio, para saciar suas próprias indignações egoístas.
Um jovem, um dos únicos com corajem para me abordar (embora a maioria das pessoas me observasse como um extraterrestre), falou comigo à distância. Não pude vê-lo ao longe, havia saído sem óculos. Acenei. Veio até mim e sentou-se ao meu lado no meio fio. Perguntou primeiro se o que tinha na garrafa era água. Respondi que era, mas agora estava vazia. Depois perguntou por alguém pelo nome, alguém que eu não conhecia
Perguntei seu nome, disse-lhe o meu, e apertei sua mão. Vendo que eu estava alterado, me perguntou o que eu tinha. Eu disse-lhe que estava muito triste. Ele me perguntou novamente se o que eu tinha bebido era água, ou álcool. Disse-lhe que era água. Perguntou-me se eu tinha me drogado. Disse-lhe que não. Em resposta, disse-lhe ainda que estava triste e relatei-lhe o acontecimento do tiroteio, mas o assunto foi interrompido, visto que ele não deu muita atenção ao fato.
Depois, me pediu dois reais emprestados, mas não havia trazido nada comigo. Me perguntou uma vez mais se eu havia me drogado. Em um tom leve de indignação, peguntei-lhe se ele nunca havia ficado triste. Respondeu-me que sim. Então, de forma mais vêemente, contei-lhe a história. Ficamos em silêncio, um do lado do outro por alguns minutos, quando alguém passou pela calçada. O jovem abordou-lhe, pedindo dinheiro emprestado. Fiquei em silêncio, mesmo quando o jovem pediu dinheiro em nosso nome, para beber algo. Suspeito de que, por receio, o passante não questionou, e ainda mencionou fatos de sua vida, acredito que por segurança, apesar de toda a conversa ter sido muito civilizada e cortêz.
O passante se foi e, em seguida, o jovem também, que antes de ir fez questão de apertar-me a mão e mencionar que havia sido um prazer conhecer-me. Quando ele havia chegado, eu estava chorando. Agora, estava seco. Ainda estava sentado na sarjeta, de frente à minha casa e, mesmo tendo contado uma hora já passada sentado ali, nem a dor nas costas ou o frio ou o chão sujo me eram motivos razoáveis para ter que tratar com qualquer pessoa conhecida que ali poderia estar em meu caminho para o quarto. À minha vista egoísta e revoltada, todos me pareciam inacreditavelmente filhos da puta, pois ninguém havia de fato mudado sua rotina pelo triste acontecimento.
Pensavam todos em vingança, em mais ódio e tristeza, não lhes bastando o trágico fato que acometeu as crianças, ou então concederam ao fato um simples olhar e continuaram sua vida sem mais obstruções. Este pensamento, à hora, para mim, estendia-se a todos os humanos, então. Estava os vendo como pequeninos seres barulhentos, preocupando-se com seus problemas irrisórios se comparados ao fato aterrador que observavam na tv, como se fosse algo triste mas aceitável na sociedade socialmente caótica em que vivemos.
Me senti mal por pensar assim de todos os humanos, mas as palavras da menina, toda vez que soavam novamente em meu cérebro, me davam calafrios e me faziam condená-los ainda mais por não dar a atenção sentimental que eu considerava devida àquelas crianças.
O cansaço me venceu e voltei para dentro, depois de uma boa porcentagem dos passantes me olhar com um curioso olhar de "eu não entendo você sem aparência de mendigo sentado na sarjeta chorando", como se para todos fosse comum ignorar o choro de alguém sentado na sarjeta se este fosse, de fato, um mendigo. No entanto, arquitetei minuciosamente meus passos para poder ter que tratar o mínimo possível com as pessoas.
Me vejo agora escrevendo estas palavras. Não sei se elas tem algum valor filosófico. Não sei como serão recebidas. Francamente, não ligo... São só palavras sobre um sentimento meu, que em nada se equivale ao sofrimento daquele(a)s jovens. Só acho injusto que as pessoas reclamem de o mundo estar uma merda e quando acontece uma coisa dessas estas mesma pessoas se mostrarem tão pouco motivadas...
Só acho injusto as pessoas pedirem mais sangue e violência em resposta à tanta dor, como se a indignação e raiva nelas desse direito a mais violência na história...
Só acho injusto que as pessoas achem tal acontecimento revoltante, mas ao invés de propor mudanças sociais, queiram saciar sua incapacidade na forma de mais dor e medo...
Ou que não achem justo ficar triste e chorar pela tristeza de outro ser humano, principalmente cuja vida foi acabada logo no início, por causa da vontade macabra de um outro ser humano...
Um comentário:
Cara, você tem uma alma gigantesca, és um belíssimo exemplar de ser humano. Graças a pergunta do reporter, que foi absurda e estúpida (concordo com você)a gente tem a comprovação da inutilidade da televisão hoje em dia no sentido de repassar a verdade de forma a termos consciência de tentar melhorar as coisas ao redor, e vemos o quão pequeno se tornam os nossos problemas frente a problemas sociais visivelmente maiores. Gostaria de poder te ajudar nessa hora.
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